terça-feira, março 09, 2004

Trila na noite uma flauta
como um rasto
do pastor cego que perdeu o medo
Cabem no seu som as encruzilhadas
os corpos das mulheres e o entardecer
Os cães cabem
nos seus olhos abertos para o silêncio
das fendas abertas no rebanho
O bicho pequeno e resoluto
do som que ele tem
o passar manso e espraiado
do rebanho na encosta
amparam-lhe o trôpego caminho
de pedras e ladeiras e certezas
No fundo dos seus olhos a luz é uma flauta
e a noite irremediável não o vence.


(São 4.12 da manhã.Dou por terminada a tarefa de compôr o Blog. Que trabalhão, sobretudo quando não se pesca nada de html, como eu... Mas valeu a pena, não valeu? Está lindo, não está? ...Coisa mais linda da sua Equidna!!!

O poema é de 2001 e acho-o francamente bom. O melhor (dos poucos) que escrevi, para celebrar a minha pequena vitória, e a de todas as mulheres que como eu, ficaram em casa a dar uso às meninges em vez de irem dar uso às glândulas salivares para alguma ladies night.)

sexta-feira, março 05, 2004

Paisagens da minha vida I





Arrábida.
Aqui fica a imagem, a evocar um tempo que não voltarei a viver. Um tempo Uno... Sobretudo de felicidade e de união. A família junta e unida para o que desse e viesse. A partilha do pão. A experiência de entrar no mar pela primeira vez. O cheiro bravio da Serra, a vertigem das alturas, a maravilhosa cor das águas. E voltar, em silêncio, estrada fora, meditando no pequeno milagre de haver tardes de Verão, assim. Seria portanto a partir daqui que percorreria de novo todo o caminho, descalça na areia, calçando-me depois para uma subida mais íngreme, gozando a meio caminho a vitória sobre o já conquistado, e querendo um horizonte sempre mais vasto.

Se eu pudesse recomeçar a partir de um momento, de uma imagem, seria a partir daqui que viveria de novo tudo o que não cheguei a viver.